segunda-feira, 9 de maio de 2011

O melhor jeito de morrer



Texto extraído de um e-mail particular.
Uma reflexão sobre a morte :)


É claro que ninguém quer morrer, mas mesmo assim o assunto surge nas conversas, as piores e as mais amenas formas de passar dessa pra melhor.
Curioso como quase todos entram em acordo quanto às maneiras mais angustiantes de esticar as canelas: sempre mencionam "afogado", "quimado", "soterrado", além de algumas formas de asfixia. Alguns ainda mencionam que estar num prédio em chamas, prestes a desabar, e ter que saltar de lá de cima é pouco atraente.
Mais engraçado ainda como o consenso sobre a melhor forma de bater as botas é ainda maior! Nunca ouvi alguém dar uma resposta diversa de "morrer dormindo".
Nunca gostei disso... Sempre achei que abotoar o paletó de madeira dessa forma te privaria de passar alguns últimos minutos com alguém querido. Considerava muito interessante a ideia de pular do prédio em chamas; sentir uma última emoção antes de me espatifar no chão. E pularia fazendo pose de Superman!
Mas...
Na quinta-feira passada meu avô teve um treco aqui em casa. Diagnóstico: infarto agudo do miocárdio. Sorte que tinha gente em casa. A ambulância chegou bem rápido; se não, nem precisaria ter vindo... Enfim, ele escapou. E nunca vou esquecer do que ele me disse no pronto-socorro: "Pensei que eu não fosse chegar...". Foi um tremendo susto, uma correria pra conseguir vaga na UTI e, no dia seguinte (sexta-feira), meu avô foi internado em Praia Grande.
Na UTI só eram permitidas quatro visitas por dia. Minha mãe e minha avó eram presença obrigatória, pois estavam monitorando o estado do velho. No sábado minha tia-avó veio de São Paulo ver meu avô, então eu não pude ir. No domingo, finalmente, depois do choque inicial, pude ver meu avô. Meu irmão e eu demos um jeito de burlar a segurança do hospital para que seis visitantes entrassem na Unidade.
Meu avô estava fraco, mas já sem aparentar sofrimento. Não olhava nos olhos, não sei por que motivo, e não sorria, acho que por causa da dor. Só falava, com a boca entreaberta. Conversamos por alguns minutos, comentamos o susto que ele tinha me dado, de como ele estava sendo bem tratado...
O velho sempre foi livre. Não havia camiseta que o prendesse, não existia peixe que ele não pescasse, goiaba que ele não apanhasse, casa que ele não construísse... Aquela gaiola não era lugar pra ele...
Então ele começou com um papo estranho. Achei desagradável na hora... Dizia que ele já tinha vivido a vida dele e que eu tinha que viver a minha, que tinha cuidado de mim por toda a vida e eu só tinha dado alegria a ele, que não devia me preocupar. Eu retruquei: como é que eu podia não ficar preocupado? Eu ainda iria dar muitas alegrias pro velho! Logo ele estaria em casa de novo, preparando as coisinhas dele pra pescar... Era a minha vez de cuidar dele. Além disso, ele ainda iria conhecer os bisnetos dele!
Nesse ponto da conversa ele sorriu... Por um segundo ele sorriu. E eu solucei. Quase chorei de alegria por poder proporcionar uma alegria ao meu avô, um vislumbre agradável de um futuro em que ele participava.
Não me lembro do resto da conversa...
Dia seguinte, fui de novo até o hospital. Meu tio-avô tinha ficado de aparecer por lá, mas quando chegamos ele não estava. Minha avó e minha mãe entraram, como de praxe. Depois que as duas saíram, comemorando a rápida recuperação do velho, que lhe garantira alta da UTI para o próximo dia, perguntaram se eu não queria ver meu avô um pouco. Eu falei que não, que meu tio, qeu vinha de São Paulo, poderia chegar depois e acabaria perdendo a viagem. Eu, como moro mais perto do hospital e já havia visitado meu avô, poderia vê-lo num outro dia. Além disso, contava com a melhora de seu estado de saúde.
Hoje, como vinha acontecendo há alguns dias, minha avó e minha mãe rumaram para o hospital. Eu não quis ir... Simplesmente não quis. Fiquei em casa estudando.
...
Ouvi o carro estacionando, duas horas mais cedo do que deveria. Daqui de dentro de casa, da sala, dava pra ouvir os gritos da minha avó. Pensei o pior... Pensei o melhor... Afinal, ela berra por tudo! Devia ser só mais uma discussão. Fui ver o que era.
Não era uma discussão...
Saíram do carro apressadas, minha avó aos prantos, os vizinhos se aproximando pra ver o que era. Berrava, vermelha, sem sair som: "Ele morreu!".
Já com alta da UTI, meu avô pediu para o médico deixar que ele se sentasse um pouco numa poltrona. O médico atendeu ao pedido. Sentado, o velho começou a sentir cansaço e pediu pra voltar para a cama. Teve outro infarto. Desta vez não teve socorro que bastasse.
Toda essa história serve pra eu chegar à minha conclusão: qual a melhor maneira de morrer, na minha singela opinião. Não sou a pessoa mais indicada para dar lição de moral, odeio filosofia barata, não suporto mensagens bonitinhas que saem aos montes com a extensão .pps.
Descobri que, para mim, o ideal seria que, num belo dia, a gente percebesse que o corpo está cansado e, com alegria e sem dor, se despedisse de todos os que fossem sentir saudade. Uma despedida com a ciência de ser a última, mas que não causasse angústia, já que feita de modo ameno. Assim seria fácil partir em paz.
Mas a realidade é um pouco diferente. A morte vem com dor, sem pressa...
Mas meu avô teve a melhor morte do mundo. Ele teve tempo para perceber que estava chegando a hora dele, de aceitar isso, de rever algumas pessoas e de se despedir. Aquele papo estranho, embora eu me recusasse e desconversasse, era a despedida dele. Aposto que ele teve paz, que eu não tive, já que não aceitei o momento que ele entendeu ser oportuno para o adeus.
Também não sou fã de "e a moral da história é...", mas acho importante destacar isso: durante o tempo em que meu avô esteve internado eu desperdicei algumas oportunidades de vê-lo (isso sem contar nas inúmeras durante a vida...). É um erro que não pretendo cometer de novo.
Bom... Esse e-mail teve um fim e um final que eu não esperava. De qualquer forma, aí vai meu desabafo e - quem sabe - uma contribuição.
Té mais!

ps: um beijo pro Renan ^_^

8 comentários:

Nath Lex disse...

engraçado como eu passei o fds inteiro pensando na mesma coisa...

Lika FRÔ disse...

Transmimento de pensação xD valeu por comentar, flor :)

Nancy disse...

Decididamente, eu sei ser animada, sei ser amável. Agradável. Afável. E esses são apenas os As. Só não me peça para ser simpática. Simpatia não tem nada a ver comigo.
Markus Suzak - A menina que roubava livros - é uma das descrições da morte neste livro...e a morte essa desconhecida faz mesmo a gnt pensar melhor no que fazer antes de conhecê-la tbém...

Lika FRÔ disse...

Que louco, Nancy, adorei. Saudades de você, flor :) obrigada pela visita ^_^

Luis Eduardo Veloso Garcia disse...

sempre quando penso na morte, me vem a cabeça a letra de Não Tenho Medo da Morte, do Gilberto Gil, q fala tudo o q eu tenho medo sobre o assunto. Alias, segundo Freud, a morte é o unico e verdadeiro medo insuperavel q nenhum dos seres humanos consegue se livrar, nem o mais evoluido.Ai vai a letra na integra pra entender pq ela mexe comigo:

não tenho medo da morte
mas sim medo de morrer
qual seria a diferença
você há de perguntar
é que a morte já é depois
que eu deixar de respirar
morrer ainda é aqui
na vida, no sol, no ar
ainda pode haver dor
ou vontade de mijar

a morte já é depois
já não haverá ninguém
como eu aqui agora
pensando sobre o além
já não haverá o além
o além já será então
não terei pé nem cabeça
nem figado, nem pulmão
como poderei ter medo
se não terei coração?

não tenho medo da morte
mas medo de morrer, sim
a morte e depois de mim
mas quem vai morrer sou eu
o derradeiro ato meu
e eu terei de estar presente
assim como um presidente
dando posse ao sucessor
terei que morrer vivendo
sabendo que já me vou

então nesse instante sim
sofrerei quem sabe um choque
um piripaque, ou um baque
um calafrio ou um toque
coisas naturais da vida
como comer, caminhar
morrer de morte matada
morrer de morte morrida
quem sabe eu sinta saudade
como em qualquer despedida.

Lika FRÔ disse...

Dinhooo, menino, essa música é perfeita. E eu concordo com o Freud em relação a morte (eu discordo muito dele). Uma das maiores angústias do homem é não ter total domínio sobre a natureza, a natureza é sua pior vilã, pois é imprevisível e a única que pode derrotá-lo a qualquer momento. A morte derrota todos os homens, ou os liberta. Eu gosto disso! Valeu por comentar, até quarta, mermão :)

Jéssica Marques disse...

Meu tio-avô, fez uma viagem na qual visitou vário parentes e amigos, se divertindo ao passar pela cidade e casa de cada um deles.
Ao chegar em MG, onde seria a última cidade dessa viagem que foi toda programada, após passar o dia todo com a família, ele teve um infarto e morreu.
Eu acredito que ele, de alguma forma, parecia sentir que isso ia aontecer. Ele poderia ter feito qualquer coisa com o dinheiro que recebera da aposentadoria atrasada, mas ele escolheu fazer essa viagem!
Uma viagem de despedida...

Amei o post, e o comentário do Dinho com a música também.

beijo

www.fleur-du-matin.blogspot.com

Lika FRÔ disse...

Que lindinha você, pupila ^_^